Tuesday, May 31, 2011

A importância das variedades asiáticas da língua portuguesa para Timor-Leste


O estudo da variedade do português falado em Timor Leste, ou apenas Português de Timor Leste (doravante PTL), recentemente vem ganhado terreno nos estudos linguísticos. Há uma série de artigos de Maria J. A. de Carvalho, entre eles Carvalho (2001, 2002-2003), somente para citar alguns. O autor deste blog também está pesquisando essa variedade da língua portuguesa, como está escrito nos posts O Português de Timor Leste: Contribuições para o estudo de uma variedade emergente
e Peculiaridades prosódicas do Português falado em Timor Leste

A pesquisa, ainda em andamento, sobre o PTL revela que esta variedade do português sofreu influências de muitas variedades da língua portuguesa na Ásia, principalmente das variedades crioulas de Malaca e Macau. Sobre o Crioulo Português de Macau, há um artigo de Baxter (2009), e sobre o Crioulo Português de Malaca, há a gramática do mesmo autor (Baxter, 1988). Porém o escasso material sobre outras variedades asiáticas da língua portuguesa, como foi apresentado no post anterior sobre o português na Indonésia

Nos níveis de análise linguística, as influências no PTL aparecem claras no léxico e na sintaxe. No léxico há lexemas de origem chinesa e malaia, que provavelmente foram inseridas via crioulos asiáticos. Na sintaxe, há cópias de construções sintáticas e calques linguísticos semelhantes aos crioulos e às línguas nativas leste-timorenses também.

As influências da Indonésia e da Índia ainda estão a serem pesquisadas. Quem sabe futuras pesquisas podem revelar mais sobre o contato de povos leste-timorenses com outros e suas repercussões linguísticas... 

Referências:
BAXTER, Alan. N. A grammar of Kristang (Malacca Creole Portuguese). Canberra: Pacific Linguistics, 1988.
_____. O português em Macau: contato e assimilação. In Ana Maria Carvalho (ed.), Português em Contato, p. 277-312. Madrid/Frankfurt: Iberoamericana/Editorial Vervuert, 2009
CARVALHO, Maria José. Timor Lorosa’e, características das línguas crioulas e do português conservado na zona – contribuição para a língua oficial. Studies of Language and Cultures of East Timor, v.4, p.20-36, 2001.
_____. Aspectos lexicais do português usado em Timor Leste. Studies of Language and Cultures of East Timor v.5, p. 25-40, 2002/2003.    

Monday, May 30, 2011

Língua Portuguesa em Flores - Indonésia. Especialmente região de Larantuka e Maumere

No post anterior, A Língua Portuguesa na Indonésia
prometi reproduzir o texto de autoria dos padres Gregorius Olapito Wuwur e Paulus Tolang sobre a situação da língua portuguesa na ilha de Flores. Este texto, publicado em  Boletim de Estudos Crioulos. Suplemento de Papia, n°1, 1994, Brasilia, está disponível no endereço eletrônico:

Ainda, o site nos oferece a informação: 

"O padre Gregorius Olapito Wuwur SVD (Góris), natural dos arredores de Larantuka, deu algumas informações sobre os resquícios de português ainda encontráveis na ilha de Flores, sobretudo em Larantuka e Maumere (Sikka). Trata-se basicamente de reminiscências lexicais, muitas delas relacionadas com o catolicismo. A língua de Gregorius é o lamahólot, e é nela que são usados esses itens lexicais. O padre Paulus Tolang também ajudou com seu depoimento. Ele é da ilha de Alor onde, segundo seu depoimento, se falam 54 línguas. A sua língua materna é o snáing".

Segue o texto integral Resquicios de Portugues na ilha de Flores (Indonesia) de Pe. Gregorius Olapito Wuwur e Pe. Paulus Tolang:


1. Introdução 
No ano de 1512 os portugueses chegaram à Indonésia e começaram a colonização. Mas a colonização dos portugueses na Indonésia durou pouco tempo porque os holandeses os expulsaram. Os portugueses chegaram na Indonésia por Jakarta - Makasar - Ternate e Tidore (nas Molucas). Depois disso, eles foram para a região de Flores (Solor, Larantuka e Maumere) e Timor. Eles ficaram nesta região muito tempo, mas depois o rei Hassan Hudin com os muçulmanos, de Makasar, os expulsaram, e eles foram para Oecusse (Timor). De Oecusse eles foram para Dili (Timor Leste). Por isso, até hoje existem algumas palavras portuguesas ainda em uso na região. 

2. Palavras portuguesas na língua indonésia 
Só umas poucas palavras entraram na língua indonésia. Por exemplo: 
bangku 'banco' 
bibliotek 'biblioteca' 
gereja 'igreja' 
jendela 'janela' 
kapela 'capela' 
katedral 'catedral' 
meja 'mesa' 
minggu 'domingo' 
paroki 'paróquia' 
pasear 'passear' 

3. Expressões portuguesas usadas na região de Larantuka e Maumere (em lamahólot e snáing): 
a. Dias da semana (usados até hoje): 
Segunda-fera, tersa-fera, kwarta-fera, kinta-fera, sesta-fera, sábadu, domingo. 

b. Nomes próprios: 
Da Silfa, Da Gomes, Joanes Ribéra, Pârera, Da Cuña, Da Lopez, Carvalo, De Rosari, De Ornai, Rita. 

c. Relação familiar: 
Tio/tia, cuñadu/cuñada, pa (pai), ma (mãe), nina (menina), siñu Da Gomes (senhorzinho Gomes, no sentido de pequeno ou de carinho), nina Da Gomes (senhorita Gomes, no mesmo sentido).

d. Catolicismo: 
Prosesi (procissão), Reña Rosari (santa padroeira de Larantuka), Tuang Mâ (Nossa Senhora), Tuang Deo (Deus), San Domingu, San Juan, konféria (confraria), gereja (igreja), katedral, kapela, paroki, cruz, promesa, kristang (cristão), missa, paji (padre), tuang paji (teu padre, senhor padre).

e. Termos do dia-a-dia: 
pasear, jandela, meja, bangku, kadéra, garfu, sâpátu, almari (armário), sem (sem), nyora (senhora), statua (estátua), berok (barco), minyoka (minhoca), redaku, sândál (sandália), ose (você), senyor (senhor: para pessoas que têm autoridade ou para os mais velhos), espada, kamija (camisa), mamonti (prato cheio, como um "monte"), tésta. 

Em Timor Leste, muitas pessoas usam a língua portuguesa na conversação do dia-a-dia. Aproximadamente 50% das palavras são portuguesas, mas misturadas com palavras do tetum (língua da região). Mas, na ilha de Flores, só na região de Larantuka e Maumere ainda se usam palavras portuguesas. Especificamente em Larantuka, o grupo da Konféria sempre usa a língua portuguesa nas orações e no seu boletim. 

N. da R: 
Para mais informações sobre a região, ver: 
a) GUISAN, Pierre (1992). Línguas em contato no sudeste asiático: o caso do kristang. Diss. mestrado, UFRJ, p. 23-28. 
b) BAXTER, Alan (1990). Notes on the creole Portuguese of Bidau, East Timor. Journal of Pidgin and Creole Languages 5,1.1-38.

P.S.
Recomendo também a leitura de uma postagem mais recente sobre os crioulos portugueses de Batávia e Tugu, Indonésia, que pode ser acessada no link: http://easttimorlinguistics.blogspot.com.br/2013/04/os-crioulos-portugueses-de-batavia-e.html.

A Língua Portuguesa na Indonésia

Um tópico interessantíssimo de pesquisa é a situação sociolinguística atual da língua portuguesa na Indonésia, assim como os aspectos da sociohistória das diferentes variedades desta língua no país. Porém, eu percebo que esses temas não vêm despertando interesses nos pesquisadores, acadêmicos e nem em linguistas. 

Há duas variedades importantes que já foram contempladas em estudos linguísticos, são elas: o português de Tugu e da Ilha  de Flores. A variedade crioula falada em Tugu foi analisada em um estudo clássico de Hugo Schuchardt de 1890, intitulado Uber das Malaioportugiesische von Batavia and Tugu. Kreolische Studien IX. In: Sitzungsberichte d. Wien. Ak. 122, IX, 1-256. Esta monografia original, que estou traduzindo atualmente, pode ser baixada no link que segue:
http://ia600101.us.archive.org/1/items/rosettaproject_mcm_multiple-1/232.pdf.
Já sobre o português da ilha de Flores pouco foi feito. Há um uma breve comunicação disponível no seguinte endereço: http://vsites.unb.br/il/liv/crioul/bec1.htm. Trata-se de uma pequena análise feita por dois falantes nativos da ilha. O próximo post tratá esse texto na íntegra para os leitores do blog.

Somados a esses, há um livro chamado Portuguese Eurasian communities in Southeast Asia, de autoria de Ronald Daus, publicado no ano de 1989 pelo Institute of Southeast Asian, em Singapura. Neste livro há dois capítulos que contemplam cada uma das situações sociohistóricas do português em Tugu e em Flores, são eles: Tugu: from Being an "Asian" to Becoming an "European" e Larantuka: "Portuguese" Power without Portugal.

Ainda, não conheço estudo algum que tenha sido conduzido na parte oeste da ilha de Timor, pertencente a Indonésia, para verificar se o português está sendo falado lá e se há alguma influência da língua portuguesa , falada em Timor-Leste, nas cidades vizinhas, principalmente Atambua e Kupang. Em viagem para essas duas localidades no ano de 2009, eu verifiquei somente que foi possível encontrar alguns falantes de português nas duas cidades indonésias, porém estes falantes eram cidadãos leste-timorenses que trabalhavam lá. Assim como esta minha observação foi um tanto impressionista durante uma simples viagem, pois não conduzi nenhuma pesquisa quantitativa ou qualitativa a respeito.

Finalizo este post com o simples pedido de que os leitores contribuam com comentários a respeito de bibliografias, pesquisas em andamento ou informações adicionais a respeito do status da língua portuguesa na Indonésia.


P.S.
Recomendo também a leitura de uma postagem mais recente sobre os crioulos portugueses de Batávia e Tugu, Indonésia, que pode ser acessada no link: http://easttimorlinguistics.blogspot.com.br/2013/04/os-crioulos-portugueses-de-batavia-e.html.