Saturday, June 26, 2010

Terminologia linguística e gafes!!!

Como afirmei no post anterior http://easttimorlinguistics.blogspot.com/2010/06/hau-koalia-tetun-eu-falo-portugues.html, discorrerei brevemente sobre alguma terminologia linguística a respeito de nomenclaturas como: dialeto, variedade, "língua primitiva", entre outras que são importantes para o estudo ou para o simples conhecimento das questões relativas à língua em Timor Leste.

A definição de língua na linguística é um tanto controversa, já que depende muito da abordagem, metodologia e corrente teórica que o linguista segue, assim como que aspectos das línguas ele pretende investigar. Daí surgem diferentes conceitos de língua, dependendo de quais perguntas (qual investigação) são feitas! Mas, posso afirmar, grosso modo, que a língua é um sistema convencional de certos símbolos portadores de significados com o objetivo de proporcionar a comunicação entre indivíduos inseridos dentro de um espaço geográfico específico e que compartilhem certos aspectos culturais.

Dialeto e variedade são conceitos muito próximos, muitas vezes intercambiáveis. Dialeto trata-se simplesmente de uma variedade regional de uma língua específica, que acaba por se diferenciar ligeiramente na fonologia e no léxico principalmente, como exemplo há a própria língua portuguesa que pode ser considerada a existência de um dialeto brasileiro, um dialeto ibérico etc., o inglês com o dialeto britânico, o dialeto norte-americano, o dialeto australiano, e assim sucessivamente. Ainda, o termo dialeto pode ser aplicado também para um tipo de falar específico a alguma classe social, ou comunidade.   

Dessa forma, não existe nenhuma relação da palavra dialeto como ela é empregada no senso comum com o sentido de "língua primitiva", "língua menor", "forma de falar diferente" etc. Estes na realidade são pré-conceitos de pessoas desinformadas que não conhecem a ciência das línguas, tão pouco se informam antes de falar ou emitir opiniões errôneas, que muitos acabam por seguir e repetir. A linguística ao investigar as línguas indígenas pelo mundo - línguas nativas da América, África, Ásia e Oceania - comprovou que essas supostas "línguas primitivas", "dialetos", entre outros, como costumam a ser chamados, são muito mais complexas que as línguas indo-européias da atualidade, como o português, inglês, alemão, francês e várias outras. Thurston (1979) forjou os termos línguas esotéricas e línguas exotéricas que esclarece essa questão de maneria exemplar. As línguas esotéricas são línguas de alta complexidade estrutura, pois são usadas somente pelos indivíduos da mesma comunidade para se comunicarem entre si, como é o caso das línguas indígenas pelo mundo, já as línguas exotéricas são línguas menos complexas utilizadas para comunicação entre povos de mesma cultura e de diferentes culturas também, como é o caso de nossa língua e outras similares indo-européias. 

Vale lembrar, ainda, que língua franca é uma língua utilizada para comunicação entre diversos povos em siutação estável (sem nenhum com status superior a outro) que possuem línguas diferentes que impossibilitam o processo de comunicação, o caso de Timor Leste esta língua é a variedade Tétum-Praça.

Finalmente, o termo língua oficial consiste em língua, ou línguas, reconhecida(s) pelo Estado a ser utilizada pela comunidade para desempenhar todas as funções jurídico-administrativas e exercer a cidadania em geral, como ter acesso a educação, saúde, emprego, segurança etc. Em Timor Leste há duas línguas oficias: a língua portuguesa e o Tétum (a variedade Tétum-Praça). Língua de trabalho são línguas, ou língua, também reconhecida(s) pelo estado a ser utilizada somente em tarefas burocráticas principais (por isso chamada de "trabalho") como uma opção em comunidades multilíngues onde o falante pode não ter acesso, ou não conhecer, a(s) língua(s) oficial(is) do Estado. Em Timor Leste as línguas de trabalho são inglês e o bahasa indonesia.  

Fica aqui registrado minha indignação em relação a qualquer estudioso que por desconhecimento, falta de informação ou preconceito empregue os termos aqui citados de forma imprópria, pois isto somente tem o objetivo de prejudicar tanto a linguística per se, quanto denegrir os povos autóctones espalhados pelo mundo. Ainda, aqueles que não conheceme desejam ficar sem conhecer e ficam falando "coisas impróprias" por aí (ou seja, falando besteiras!) procurem evitar tantas gafes também, pois isso ficará feio (para não falar, ou escrever, outras palavras!) para quem as fala! Disso pode ter certeza!!! Já para aqueles que desejam se informar, recomendo a leitura de obras introdutórias à linguística e a consulta a dicionários como Crystal (1980) e Dubois (1995).

Referências:

Crystal, D. 1980. Dicionário de lingüística e fonética. Rio deJaneiro: Zahar.
Dubois, J. et al. 1995. Dicionário de lingüística. São Paulo: Cultrix.
Thurston, W. 1979. Processes of change in North-Western New Britain. Canberra: Australia National University. 


Friday, June 18, 2010

Ha'u Ko'alia Tetun! Eu Falo Português!


O livro intitulado Ha'u Ko'alia Tetun! Eu Falo Português! de autoria do Prof. João Cleto do Nascimento é um livro didático para ensinar o Tétum-Praça para falantes lusófonos (a capa da obra encontra-se ao lado) com um prefácio de minha autoria.

Esta obra merece destaque por vários motivos, entre eles: é o primeiro material sobre Tétum (ou qualquer outra língua de Timor) lançado em português do Brasil; nos últimos foi a única obra didática lançada em língua portuguesa; foi fruto de um projeto do autor de ensino de língua Tétum para estrangieros, ainda em andamento nos dias atuais.

No Brasil, as únicas obras publicadas sobre Timor Leste concentram-se em sua maioria nos estudos políticos que defendem certos interesses ideológicos que não valem a pena ser mencionados, assim como não é o objetivo deste post!

Já se falarmos sobre livros didáticos sobre a língua Tétum, em sua variedade Tétum-Praça, o livro mais recente é de Hull (1996), que ensina Tétum-Praça como língua estrangeira para falantes anglófonos. A única fonte anterior para o ensino de Tétum para falantes lusófonos é de Fernandes (1937). Desta maneira, podemos perceber que somente após mais de 70 anos é que surgiu uma fonte atualizada de referência para o ensino de Tétum-Praça para falantes lusófonos.

Vale mencionar também que o Prof. João Cleto do Nascimento reside em Timor Leste desde 2008 e está engajado em um projeto de ensino e elaboração de materiais didáticos sobre o Tétum-Praça. Ainda, como muitas atividades culturais e científicas de valor no Brasil, este projeto é particular do autor que somente recebe apoio institucional de vez em quando!

Recomendo a todos interessados em Timor Leste, em estudos linguísticos e em ensino de línguas a leitura do livro Ha'u Ko'alia Tetun! Eu Falo Português!

No próximo post eu darei uma breve explicação que parece muito pertinente para as questões linguísticas de Timor Leste sobre a terminologia relacionada à língua, dialeto, 'língua primitiva' (seja lá o que isso for...), língua franca, língua nacional, língua oficial e língua de trabalho.

P.S. Acrescento aqui a referência de Hull (2001), conforme João Paulo Esperança gentilmente sugeriu ao nosso blog, no comentário desse post. 
     
Referências:

Fernandes, A. J. (1937) Método prático para aprender o Tétum. Macao: Escola Tipográfica do Orfanato de Macau.

Hull, G. (1996) Mai kolia Tetun: a beginner's course in Tetum-Praça: the lingua franca of East Timor. North Sydney: Australian Catholic Relief and the Australian Catholic Social Justice Council.

_____. (2001) Manual de Língua Tétum para Timor Leste. Wollongong: University of Wollongong. 134p.