Wednesday, August 03, 2011

Sobre o lexema 'malae' - 2

Conforme comentei no post anterior, Sobre o lexema 'malae' - 1
(http://easttimorlinguistics.blogspot.com/2011/08/sobre-o-lexema-malae-1.html),
reproduzo aqui o texto intitulado Malai! Malai! do blog Direto de Timor-Leste de autoria do Prof. Cesar Cavalcante. O post desse blog faz referências a diversas fontes bibliográficas a respeito da origem da palavra malae, principalmente em relação ao significado principal 'estrangeiro'.  

Malai! Malai!
Por Cesar Cavalcante

Uma das primeiras palavras que aprendi na língua tétum foi "Malae" ou  "Malai",  no português falado em Timor Leste. Sempre foi-me dito que "malai" significava estrangeiro, um parente próximo da expressão "Gringo" que utilizamos com frequência  no Brasil, quando nos referimos a um estrangeiro.

Fiquei muito curioso com a origem dessa palavra, já que segundo percebi, é uma das primeiras expressões que as crianças aprendem falar. Nós brincamos e dizemos que as crianças aprendem falar Malai antes de mamãe!

É muito comum um estrangeiro passar na rua e ouvir Malai bom dia, Malai para onde vai, Malai me dar um rebuçado (a nossa bala). Quando se trata de crianças, que sempre estão em grandes grupos, eu  sempre escuto, Malai, Malai, Malai... e elas só param de gritar quando eu olho e as cumprimento com um oi!!

Alguns colegas s acham que Malai é uma palavra pejorativa, que é uma forma dos timorenses dizerem que nós somos os estrangeiros. Eu sempre rebato e digo, como pode ser pejorativa uma palavra dita por uma criança, que às vezes nem sabe andar direito. Aí sempre escuto, ah foi o pai dela que ensinou.

Então resolvi "acabar" de vez com a discussão e procurei a origem dessa palavra.

Alguns timorenses me afirmaram que a palavra "Malai" tem origem na palavra  Malay, que pode designar a língua austranésia falada na Malaysia, Indonesia, Singapore, Brunei e Tailândia o Bahasa Melayu e suas variações, ou então os habitantes da Malaysia. A explicação para isso é que um dos primeiros estrangeiros a chegar na ilha de Timor Leste, foram os malasianos e por isso o uso do termo.

Já ouvi outra explicação para a palavra. Os primeiros estrangeiros que chegaram aqui em Timor Leste, traziam malas e os nativos nunca haviam visto malas e quando aprenderam o nome Mala, associaram Mala a Malai, ou seja aquele que carrega malas (estrangeiro).

Essas duas origens diferentes para a mesma palavra carecem de uma boa referência histórica, que eu não consegui encontrar.

Buscando em artigos científicos e em textos na internet encontrei as seguintes citações no site East Timor Studies de João Paulo Esperança:

 "A. Mendes Corrêa no seu "Timor Português" (1944) diz que "por malai entendem os indígenas de Timor os estranhos, os Malaios de outras ilhas, os Chinas, os negros de África, os Árabes, os Portugueses metropolitanos, os Holandeses, os Europeus em geral.  Os timorenses não se consideram Malaios, muito pelo contrário."

"Luís Thomaz num artigo de 1974, "Timor – Notas histórico-linguísticas", pág. 231, defende que: "Por sua vez o nome que os malaios dão a si mesmos – melayu – tornou-se em Timor, sob a forma malae sinónimo de "estrangeiro, pessoa de fora de Timor" - recordação do tempo em que os malaios eram os únicos estrangeiros que apareciam nas costas da ilha. Osório de Castro nota que em Maluco o termo melayu é usado com o mesmo sentido." Essa citação justifica a primeira origem da palavra que eu expus. 

Mas mesmo com essas duas citações, algumas pessoas acreditam que Malai e Melayu, tem significados e origens diferentes. 
Crianças timorenses
Foto do Blog da Missão Científica Botânica em Timor-Leste

Ainda com referência a pesquisa feita por João Paulo Esperança,   Aone van Engelenhoven e John Hajek dizem-nos No seu artigo "East Timor and the Southwest Moluccas: Language, Time and Connections" (2000), (pág. 121):

«A importante distinção entre os chamados `donos da terra' e `donos dos barcos' nas ilhas do Sudoeste das Molucas é não apenas crítica para as estruturas sociais na região, mas também um importante indicador histórico das relações com Timor no passado. Os ornusa ou clãs `donos da terra' eram os verdadeiros senhores da terra, que já viviam nas ilhas antes da chegada dos `donos dos barcos'. Há textos históricos que revelam que a chegada dos donos dos barcos foi despoletada pela destruição da sua `Ilha Mãe'. Esta destruição é tradicionalmente explicada como o castigo supremo por uma luta fratricida que era proibida. Os nomes usados nestas histórias fornecem pistas importantes sobre ligações com Timor. Qualquer coisa que inclua malai como elemento reverte para Timor – o que se vê por exemplo em Sairmalai, o nome timorense do herói letinense Slerleti. ((32 A palavra malai, apesar das aparências, não tem nada a ver com Malay (ing.) [ou malaio (port.)], uma malformação europeia de melayu.)) O resultado é que todos os heróis, e consequentemente também os clãs que deles descendem, são considerados como sendo de origem timorense. O segmento Malai (lit. `Timor') em muitos apelidos de família é altamente reverenciado devido à sua referência óbvia. Os exemplos incluem os apelidos Pelmalai `aliado timorense' na ilha de Nila, e Maranmalai na ilha de Léti.

Reuniões recentes entre famílias keienses e do Sudoeste das Molucas na Holanda revelaram como ambos os lados tinham em comum narrativas semelhantes sobre a destruição de uma terra ou continente no ocidente (centrado na área de Timor-Luang). As histórias dos clãs falam sobre barcos que navegavam para o oriente a partir de Lun-Let, o nome keiense para o continente que era Luang. Os mitos letinenses contam-nos sobre pessoas que navegavam para e de Timor, e sobre o estabelecimento de povoações de `donos de barcos' na costa de Malakitna-Malaliawna, o irmão mais novo (com malai `Timor' bastante evidente).
Ancião timorense
Foto de Celina Silva

As ligações entre comunidades em Timor-Leste e no Sudoeste das Molucas mantiveram-se mais directamente até tempos relativamente recentes. Alianças formais tradicionais, por exemplo, foram mantidas entre os governantes tradicionais de Kísar e Baucau até perto de meados deste século, mas acabaram por ser quebradas pelos portugueses. Também é verdade que laços de comércio tradicional foram mantidos até mais recentemente ainda, particularmente com comerciantes que falavam tétum de Leti e de Luang que se sabia visitarem Timor-Leste.» (A tradução do inglês é minha.)

Lendas na língua de Léti que mencionam esta ligação a Timor (Malai), e a sua análise antropológica e linguística, podem ser consultadas no livro de Aone van Engelenhoven "Leti, a language of Southwest Maluku" (2004), por exemplo nas págs 328, 329, 398.

Os dados destes autores relativos à antroponímia parecem ocorrer também entre os fatalucos da Ponta Leste de Timor, conheço uma moça de lá, de uma família "ratu" (da nobreza), cujo nome tradicional (o do knua, não o dos documentos nem o "nome de estima" de casa) é Jar Malai. Na segunda parte do "Léxico Fataluco-Português" do Padre Alfonso Nacher, publicado na revista do Instituto Nacional de Linguística (2004), na pág. 122 pode ver-se que nesta língua a palavra "malai" pode significar "estrangeiro" mas também "liurai" (rei).

Referências: http://groups.yahoo.com/group/east-timor-studies/message/3724


(Texto extraído do blog Direto de Timor-Leste e pode ser acessado e lido no original no seguinte link:
http://timorlorosaeceara.blogspot.com/2010/07/malai-malai.html)

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